Com Ducilene Soares Silva Kestering, Dirigente Municipal de Educação de Sobradinho e Presidente da Undime (BA).
Por Karen Cardial
A última dobra do calendário
Dezembro chega como um corredor estreito. O calendário encurta, as urgências se multiplicam, as emoções ficam à flor da pele. É justamente neste momento que a escola pública precisa fazer escolhas que resguardam o essencial: a aprendizagem, o vínculo, a continuidade.
Dirigente Municipal de Educação de Sobradinho (BA) e Presidente da Undime Bahia no Território de Identidade do Sertão do São Francisco e no Conselho Nacional Regional, Ducilene Soares Silva Kestering fala sobre prioridades reais para professores e gestores nesta reta final. Com exemplos do cotidiano da rede, aponta decisões que fazem diferença quando o próximo ano ainda parece longe, mas, na verdade, já começou.
Licenciada em Letras (Português/Inglês), pós-graduada em Psicopedagogia e mestranda em Educação, Ducilene insiste em uma lógica simples para o fim do ano: prioridade não é o que grita mais alto, e sim o que mantém a rede de pé.
1. Quando chega dezembro, o que você considera “inegociável” para um fechamento de ano letivo responsável, sem tentar dar conta de tudo?
Inegociável é priorizar o essencial para a aprendizagem do estudante e organizar o que precisa estar pronto para o próximo ano. Isso envolve garantir que pontos básicos não fiquem fragilizados, seja na Secretaria Municipal de Educação, nas unidades escolares ou nos Conselhos de Educação.
A chave, para mim, é focar no que tem maior impacto no curto, médio e longo prazo. Um exemplo concreto de decisão de prioridade é planejar o encerramento do ano letivo acompanhando as unidades escolares no conselho de classe final, observando o cumprimento dos 200 dias letivos e das 800 horas anuais, pelas plataformas e pelos diários de classe. São ações que zelam pela vida do estudante e pelo seu sucesso.
2. No fechamento do ano, o que você considera mais útil para que a escola consiga “enxergar” as aprendizagens que aconteceram, sem transformar isso em uma corrida por notas, planilhas e relatórios?
O elemento essencial é o conselho de classe, com leitura qualitativa e quantitativa, sustentado por planejamento eficaz, e com o olhar direcionado para o que precisa ser fortalecido depois do resultado, reduzindo deficiências e fragilidades na aprendizagem.
Um marco na rede foi o projeto Na Trilha do IDEB, fundamental para o avanço da aprendizagem, assim como o projeto Leitura e Escrita de Texto. E temos, ainda, o Programa Escola das Adolescências, que em 2026 será fortalecido com recomposição das aprendizagens e o aproveitamento dos “clubinhos” (grupos organizados em pequenos núcleos para atividades de leitura, escrita e matemática).
3. Na sua rede, qual é o erro mais comum que acontece na reta final e que atrapalha o fechamento pedagógico?
O maior erro, na reta final, é não realizar uma busca ativa de estudantes que não retornam para o período de recuperação, mesmo tendo frequência regular durante o ano. Outro ponto que atrapalha é a fragilidade no conselho de classe, com reprovação sem critérios que respeitem a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e o regimento escolar unificado da rede.
Um episódio real aconteceu em 2024, quando a Secretaria Municipal de Educação precisou aplicar uma prova de reclassificação para estudantes que haviam sido reprovados em um ou dois componentes curriculares.
O maior erro da reta final é perder o estudante justamente no momento da recuperação.
4. Como você orienta as escolas a conversar com as famílias em dezembro, especialmente quando há frustrações, faltas ou expectativas desalinhadas?
A orientação é convidar as famílias para comparecer com os filhos na entrega dos resultados anuais. E quando há estudantes em processo de recuperação, é fundamental acolhê-los com seus familiares, para tomada de decisões e para preparação de estudos de recuperação que surtam efeitos positivos.
Isso não significa aprovar “de qualquer maneira”. Significa garantir oportunidade, conforme a lei, de avançar dentro das possibilidades do estudante. Em relação às faltas, o estudante com baixa frequência precisa ser acompanhado pela busca ativa, pela gestão escolar e, quando necessário, pelo Conselho Tutelar.
Em 2024 e 2025, conseguimos, como rede, com trabalho de acompanhamento às famílias, resgatar estudantes em alta vulnerabilidade: houve matrículas na escola de tempo integral em um bairro mais carente, e o caso de um estudante em situação de violação de direitos que retornou à escola com acompanhamento da rede de referência.
Garantir oportunidade, conforme a lei, é diferente de aprovar sem critério.
5. Que cuidado com as emoções de professores, gestores e estudantes você considera possível e efetivo nessa fase, mesmo com a pressão do calendário?
Todo encerramento de calendário gera emoções e acúmulo de atividades, porque estamos falando de conclusão de etapas necessárias para que as ações de ensino e aprendizagem se concretizem em todas as unidades escolares, com cumprimento efetivo dos 200 dias e dos direitos de aprendizagem.
É um momento delicado. Todos precisam cuidar da saúde mental e do nível de estresse e ansiedade, tanto professores, gestores e funcionários quanto estudantes e familiares. A unidade escolar se prepara para apresentar resultados e refletir sobre indicadores, e isso afeta a imagem da escola e dos profissionais, de acordo com os índices.
Mesmo assim, dezembro também pode ser tempo de refletir, reorganizar o caminho e planejar novos rumos. Uma prática digna de menção é que, em 2024 e 2025, a Secretaria Municipal de Educação investiu no material do projeto Compasso Socioemocional, que contribui significativamente para o desenvolvimento dos aspectos emocionais na educação de Sobradinho. O projeto Cuidar e Crescer, desenvolvido pela psicóloga Mariana, também valorizou e fortaleceu o bem-estar docente na rede municipal.
Dezembro concentra resultados, pressões e emoções, para quem ensina e para quem aprende.
6. Quando a burocracia aperta, qual critério você usa para decidir o que é obrigatório e o que pode ser simplificado ou adiado sem prejuízo real?
Aquilo de que não podemos abrir mão é o que garante o funcionamento das aulas sem prejuízos: merenda escolar, transporte escolar, qualidade do atendimento nas escolas, condições de trabalho para professores e funcionários e o direito do estudante.
O que podemos simplificar são ações festivas e comemorações. O que podemos adiar são questões que podem aguardar sem gerar prejuízos, como paisagismo nas escolas e reformas que não tragam comprometimento imediato.
Um exemplo foi a caminhada para implantação da primeira escola de Ensino Fundamental I em tempo integral. Tivemos dificuldades sobre como implantar oficinas, de que forma seria, quais leis publicar. A burocracia existia, mas a vontade de oferecer o melhor para nossos meninos e meninas foi mais forte. Hoje a escola funciona e é referência no município.
O que não pode esperar é o que garante a aula: transporte, merenda e condições de trabalho.
7. O que você recomenda para que o planejamento de 2026 comece ainda em dezembro, sem virar um documento genérico?
Revisar a documentação das unidades escolares, organizar a prestação de contas do PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola) e atualizar autorização e funcionamento das unidades com resolução atualizada pelo Conselho Municipal de Educação. Também é importante baixar edital de convocação para renovação da autorização das unidades, especialmente as que funcionam em tempo integral.
Um elemento prático que coloca isso de pé é que, todos os anos, a Secretaria Municipal de Educação pública ainda em dezembro o calendário de matrícula, por meio de portaria da SME (Secretaria Municipal de Educação), orientando o processo em toda a rede, acompanhado de resolução do Conselho Municipal de Educação.
8. Que decisão de gestão feita em dezembro costuma melhorar, de verdade, o início do ano seguinte nas escolas?
A preparação do plano de ação e do planejamento estratégico da Secretaria Municipal de Educação, com vistas à jornada pedagógica, focada em uma temática que traga reflexões para toda a rede.
Um projeto que marcou a educação em Sobradinho e mudou significativamente nossa prática surgiu no processo pandêmico: o projeto Avançar na Aprendizagem, alimentado pelo plano “Nenhum a menos, Todos Conectados”, para garantir a continuidade do ensino remoto. Os resultados foram surpreendentes. Em 2026, com recomposição das aprendizagens, vamos retomar o Avançar na Aprendizagem de forma concreta, porque nossos estudantes avançaram em resultados e melhoraram o nível de aprendizagem.
9. Se você pudesse deixar um “roteiro de primeira semana de 2026” para direções e coordenações pedagógicas, qual a primeira ação que não poderia faltar?
A primeira semana precisa estar alicerçada em eixos de planejamento, com equipes gestoras e coordenação pedagógica: acolhimento e socialização, adaptação à rotina, diagnóstico pedagógico. Isso envolve criação de vínculos e pertencimento, apresentação do espaço e das regras da escola, regras administrativas, registros do trabalho com protocolos semanais e definição do fluxo de trabalho.
Para 2026, a coordenação deve ter seu livro de registro do planejamento com pauta e AC (atividade complementar) dos professores e organizar uma semana diagnóstica para que os professores realizem com suas turmas.
Além disso, é importante desenvolver com gestores e coordenadores dinâmicas de acolhimento, como a “árvore da escola”, que possibilita refletir e conduzir a atitudes de equipe: repensar a função social da escola, revisitar planejamento, avaliação e desenvolvimento dos estudantes, com foco na aprendizagem. E, por fim, criar condições para tomar para si os dados de 2025 e, com eles, construir metas, objetivos e estratégias voltadas ao direito de aprendizagem.
Uma fala aos gestores e às equipes escolares:
“O que considero mais importante é o planejamento. Minha missão, enquanto dirigente municipal, é atuar para que a educação seja garantida como direito humano, com aprendizagem e qualidade social.
Para isso, é fundamental priorizar o planejamento, assegurar o financiamento, realizar a gestão pedagógica com foco na aprendizagem e conduzir a gestão administrativa de forma intencional, garantindo direitos aos estudantes e aos servidores.
Defendo uma gestão democrática, sustentada pelo regime de colaboração, pela busca ativa e pela atenção permanente às macropolíticas e aos programas nacionais. É nesse conjunto de ações que acredito ser possível construir uma educação inclusiva, com qualidade social e compromisso público”. (Ducilene Soares Kestering)